quinta-feira, 11 de abril de 2013

Vó Rosa

      Minha vó materna era chamada por todos de Dona Rosa ou Dona Rosinha. Mas seu nome mesmo era outro, bem mais difícil e eu, inclusive, não conheci mais ninguém que o tivesse. Diz a história, contada por minha mãe, que meu avô não sabendo falar o nome dela, escolheu que ela fosse Rosinha, a rosinha dele. Acho que ele tirou isso do amor que ela tinha pelas flores. Uma das lembranças fortes que tenho de minha vó era de sua casa bem cuidada e do seu jardim. Pela razão de minha avó amar plantas, eu levei a ela uma informação, digna de jornais, que eu acabara de aprender na escola: as plantas respiravam! igualzinho a gente, vó! E para provar a ela, da mesma forma que a professora fez na sala de aula, eu envolvi um vasinho de planta num saquinho plástico transparente e, pouco tempo depois, lá estavam elas: as bolhinhas de vapor! Minha vó, para minha surpresa, não gostou nada nada da ideia e tratou de me fazer tirar o saco plástico da plantinha, porque coitada, ela ia sufocar! Acho que não ia adiantar eu explicar muito que ainda tinha oxigênio no saquinho, porque minha vó sentia a plantinhas como ela só.
Não precisava haver dados científicos que expusessem, enfim, a importância das ondas sonoras no crescimento das plantas, porque para ela não era questão a ser provada. Coisa natural era conversar com as plantas, como toda gente conversa entre si.
        Certa vez, tinha um trabalho sobre plantas medicinais na escola e minha vó Rosa foi o melhor dos livros: passamos a tarde coletando folhas, colocando em saquinhos separados, com etiquetas sobre o valor medicinal de cada uma. Não preciso nem falar da cara de satisfação da professora. Bem, minha vó Rosinha era uma rosinha mesmo, arrumadinha e perfumada. Sabe uma outra história da vó Rosa? Eu tinha uma tia que morava muito longe e minha vó sempre sentia saudades dela. E, por não saber ler, sempre pedia para minha mãe ir até a casa dela quando chegava uma carta. Foi que uma vez, cansada de ter que esperar minha mãe toda vez que a carta chegava, minha vó decidiu que ia aprender a ler. E pediu isso para mim, sua neta de 8 anos: que a ensinasse esse mundo fabuloso! Eu tratei de pedir a ela que comprasse um caderno de caligrafia, porque se é para ler, também tem que escrever bonito! E lá ia eu, à tardinha, toda toda fazer com que ela repetisse várias frases do caderno de caligrafia. Passadas muitas aulas e letra bonita, ela também cansou das minhas frases, porque o que ela queria mesmo era ler as cartas e porque minha vó era ansiosa de saudade. E logo que as notícias eram lidas, minha mãe tratava de escrever o que minha vó ditava com todo esmero "Querida filha, espero que quando esta aí chegar encontre todos bem..." e a carta resposta não podia ir sem que minha vó colocasse bastante talco nela. Assim, perfumadinhas, elas podiam seguir seu rumo e chegar lá longe, certas de que saíram das mãos de uma rosinha.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

sobre como ser um gato


Minha experiência com gatos se resume a quase nenhuma. Mas, tendo mudado para uma nova cidade, onde, pela primeira vez na vida, não tenho nenhum cachorro por perto, tenho pensado mais na possibilidade dos gatos. A questão é que eu nunca, em tempo algum, tive um gato. E devo confessar que não tinha uma boa visão deles, até pouco tempo. Até conhecer três gatos em especial: junior, onça e o terceiro não me lembro o nome, mas ele será o personagem principal dessa história. Sobre os outros, talvez escreva uma outra hora.
Escrevo estando numa pousada que tem dois bonitos gatos. Um ligeiramente esnobe, de olhos verde limão, de pelo cinza volumoso, que sempre passa altivo, desconfiado e, na maior parte do tempo, longe. Às vezes passa um pouco mais próximo, mas nada o suficiente para que possa ser tocado. E eu também não faço força para isso.
O outro...ah o outro...quando o vi pela primeira vez fiquei admirada com a beleza dele. Pele de tigre, corpo longo e vigoroso. Esse eu não definiria como esnobe ou desconfiado, mas selvagem, no puro sentido. Desde que chegamos aqui - 5 dias atrás – ele não se aproximou. Está sempre bem longe e parece não querer mesmo conversa.
Mas, pela manhã, o surpreendi cheirando o pandeiro que havíamos deixado na cadeira de descanso da varanda. Ele cheirou minuciosamente e aí eu fiz aquele “psiiiipsiiipsiiii prolongado (aquele de chamar gatos) para dizer a ele que era meu, o objeto. Ele me olhou no olho (daquele modo misterioso dos gatos). Eu continuei no computador. E um tempo depois, ele me surpreendeu, aproximando-se ,esfregando-se na mesa que eu estava, bem perto de mim. Eu levei a mão para que ele decidisse encostar em mim e ele veio, lindo como só ele. E então, ele permitiu que eu passasse a mão como que coçando suas costas até a cauda e repetiu isso várias vezes até se jogar no chão para que eu passasse meu pé nele. Nessa hora fiquei com medo dele me arranhar e, talvez, ele tenha percebido e se afastou. Bicho bonito demais. Valeu a pena, pensei. Mais tarde contei ao casal dono da pousada, e eles me disseram que ele me adotou, já que era um bichinho bem arisco com estranhos. Eu fiquei feliz.
Tenho pensado agora nos gatos, como bichos cujo contato conosco se dá pelo carinho, mas com a manutenção de sua independência, sendo sempre fiéis a sua natureza selvagem. A cachorra da pousada me olhou agora e penso nos cachorros como um reflexo de mim mesma, sempre fiéis e afetuosos. Mas a liberdade dos gatos me faz querer aprender com eles sobre como ser um gato.
A cachorra deles apareceu no portão de novo (a beleza de um pastor alemão) e me vi no seu olhar dócil novamente e fiquei pensando.


P.S.: A gravura é do trabalho do artista Theóphile Alexandre Steinlen (1859-1923), que adorava gatos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

a amizade clandestina

O nome dela era Clarice. Como a Clarice de "Felicidade clandestina", de forma que o título desta estória não foi, então, uma coincidência.
Aos 12 anos, Clarice estava na 6ª série - como se falava não tão antigamente - e nenhum amigo que fizera na quinta estava na lista da turma do primeiro dia de aula. Viria, então, todo o difícil processo (para ela) de ser o que chamamos de sociável. Nada que a professora não resolvesse escalando duplas improváveis de trabalho. Mas Clarice não estava triste com a situação. Afinal, as duas coleguinhas de quem tinha se separado eram muito "pra frente" para os conceitos rígidos de Clarice. Tudo, assim, havia sido resolvido em uma lista de primeiro dia de aula. Clarice estava livre.
A calça jeans do ano anterior tinha sido substituída por uma tal "bermuda ciclista" e incomodava Clarice ver suas pernas finas e brancas de "fora", somadas àqueles tênis pretos engraxados que só se vendo. Foi então que a professora entrou na sala com um sorriso meio de lado e a menina ficou satisfeita em ver que era a antiga professora de geografia: a da letra bonita, das unhas bem feitas, das palavras certinhas e que dava vistos cobrando um caderno sempre caprichado. O suspiro conseguiu sair do peito da menina, pela primeira vez no dia e ela ainda estava pensando se usaria caneta preta ou vermelha pra margem do caderno quando o menino entrou. Clarice, mais tarde, descreveria aquele sentimento que invadiu seu estômago infantil de "emoção e contentamento". Ela também o descreveria assim: “ele tinha os ombros meio inclinados para frente (igual toda gente tímida), os cabelos se encrespavam em pequenos cachinhos castanhos, sua boca era rosa como de um bebê e seus olhos eram...redondinhos que só vendo e muito pretinhos...e ah, ele tinha uma pinta do lado esquerdo do rosto...do tamanho de um confete de papel”. Ele sentou três cadeiras atrás dela e, nesse dia, ela odiou ser a primeira da fila. Ele era o amigo que Clarice queria ter. Dali por diante tudo seria isso: o que eles fariam juntos. E pensou em pedir um dicionário para iniciar a conversa, mas ele estava com a cabeça baixa quando ela virou e ninguém entenderia porque  ela faria tal pedido para um colega três cadeiras atrás dela. Depois pensou em fazer esforço telepático para a professora escolher que sentassem juntos para fazer a tarefa. Mas a tarefa foi individual. E depois pensou em calcular a força necessária para deixar seu lápis cair no chão bem ao lado dele. Pensou e fez, mas caiu ao lado da menina loirinha, que foi sua amiga pro resto do ano. Não que Livinha fosse chata, pelo contrário, era um amor de menina, mas seu alvo mais precioso de amizade era ele. E, a propósito, o nome dele: Eduardo. Os dias se seguiram e mais Clarice planejava: os dois fazendo exercícios de matemática, os dois andando de bicicleta, os dois andando pelas ruas da cidade atrás de um presente para a mãe dele, os dois aprendendo uma música em inglês e fazendo primeira e segunda voz, ela contando para ele que estava gostando daquele guitarrista da sétima série, ele contando para ela que gostava da sua prima mais velha. Mas sua amiga era Livinha. Ao mesmo tempo que ansiava o dia que poderia conversar com ele, começou a pensar que, talvez, era melhor deixar do jeito que estava. Ela o via de longe (a três cadeiras da sua), ele lia baixo quando a professora pedia, mas não errava uma só vírgula, ele tinha três amigos bobos e, de vez em quando, gargalhava com eles como todos os meninos terráqueos. Pobre Eduardo, aposto que se sentia sozinho como eu – pensava Clarice.
E então, numa terça – que mais tarde Clarice chamaria de fabulosa - ele passou pela mesa dela e falou: Desenho bonito, você faria um na minha mochila? Foi a primeira vez que conversaram, quer dizer, que ele falou com ela, porque de Clarice saiu um “” que era mais tímido que sei lá o quê. “Pode ser no recreio?” ele perguntou e ela, presumivelmente, soltou um “”. Foi que ela levantou o rosto e viu, assim de pertinho, o sorriso de seu amigo clandestino: dentinhos retos e brancos. Ela deu seu sorriso de lado e pensou: “eu não quero mais ser amiga dele”. Ela sabia que construiria uma redoma para ele como o pequeno príncipe fez com a flor. E que choraria dos olhos ficarem inchados se alguém o magoasse e que não suportaria a vida quando ele fosse viajar nas férias. Pobre Clarice sofria antecipadamente por um candidato a amigo perfeito. 
Nunca o recreio fora tão ansiado! Chegou a pensar em dizer à professora que estava morrendo com cólicas e que precisava ir embora antes que o pior acontecesse, mas o sinal bateu e com ele subiu-lhe uma coragem de heroína: desenharia na mochila dele, passaria seu telefone para ele, conversariam a tarde inteira. Ela esperou e Livinha desceu para comprar o lanche. Faltavam sete minutos para bater o sinal, contados no seu relógio de ponteiros, quando o garoto apareceu na porta, como quem volta pra buscar alguma coisa. Ah, o desenho! Ele falou disparando o coração da menina. Pobre Clarice...suas mãozinhas tremiam que me dava pena de ver... Ele veio trazendo a mochila até ela e timidamente falou que não tinha problema se não desse. Ela deu seu melhor sorriso ao seu melhor amigo e ele sorriu também. Toda Clarice estava agora nas mãos dela, desenhando o menino com grandes fones de ouvido, de cuja boca saía Lucy in the Sky with Diamonds. O sinal bateu com um mui-to ma-nei-ro saindo da boca do menino Eduardo. Olhos fixos no desenho, voltava pra sua carteira a três carteiras da dela. A professora anunciava o teste e o mundo voltava. Clarice, como sempre foi a última a sair da sala e não viu Eduardo. Mas o dia seguinte chegaria e ah...ele pularia para a carteira ao lado dela lançando Bruna Cebolão pra lua!Per-fei-to! Mas, no dia seguinte Eduardo não apareceu. Nem no próximo e nem a semana inteira. Os três colegas bobos foram incumbidos da trágica notícia: Eduardo foi morar com o pai em Londres e deixou um cachorro chamado Ramones. Fim do bimestre. Clarice chorou e Livinha a consolou dizendo que só nas férias iria pro Nordeste. E, então, Clarice descobriu Livinha e foram amigas desde sempre.
E Eduardo escreveu um postal para o endereço da escola, com p.s. entregar a Clarice da 6ªsérie A. Tinha os meninos de Liverpool na Abbey Road e atrás escrito em letra de forma “Oi Clarice, não deu tempo de te agradecer naquele dia, mas adorei o desenho. Ah, infelizmente não pude trazer meu cachorro pra cá. Acho que ele adoraria ser seu amigo também. O nome dele é Ramones. Um abraço de seu amigo Eduardo”.
Vocês podem imaginar a euforia da Clarice com “ser seu amigo também” e “um abraço do seu amigo Eduardo”?
E essa passou a ser a estória de Clarice, Eduardo, Livinha e Ramones.
Clarice e Eduardo nunca mais se viram, mas as cartas que vieram tinham de tudo: os dois fazendo exercícios de matemática, os dois andando de bicicleta, Eduardo andando pelas ruas da cidade atrás de um presente para a mãe dele, a namoradinha Abbey do Ramones, letras dos Beatles, ela contando para ele que estava gostando daquele guitarrista fora de série e ele contando para ela, é claro, que gostava da sua prima mais velha. 




domingo, 16 de outubro de 2011

A sabiá laranjeira


"A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam." (Manoel de Barros)


Essa é a história de uma amizade especial [Fato]. 
A amizade de uma garota de seus 15 anos e uma sabiá laranjeira. Sabiás são bichinhos arredios, territorialistas e nunca, nunca se conformarão, se presos.
Criança eu nunca gostei de passarinho na gaiola e, surgindo a oportunidade, desarmava alçapões sorrateiramente. O coração disparava e se deliciava em boicotar os planos alheios. 
Confesso que, às vezes, eu mesma armava os alçapões só pra ver uma pombinha presa lá dentro. Nessas ocasiões, a minha felicidade era soltá-las, tão logo estivessem caído na armadilha. Eu, então, poderia ser heroína delas! O que era Fabuloso!
Mas a história que trago hoje aconteceu em minha adolescência e, para mim, uma das que levarei por toda a vida, para os filhos e netos e, se vocês quiserem, para os seus.
Lembro do meu avô chegando em casa com uma sabiá laranjeira dentro de uma gaiola. Passarinha brava, se debatia de todos os lados. Ninguém em casa gostou de ver, mas meu vô tinha paixão em sabiás. Não, eu não esperei que dormissem para soltá-la. Eu não teria coragem. Meu avô ficaria triste e ela já era adulta quando ele pegou e, talvez, nem soubesse mais viver sozinha. Ela estava inconformada, mas eu me conformei. Era meu vô passar perto, que a bichinha não parava na gaiola.Toda vez que ele ia tratar dela, começava o alvoroço.
Foi que passou um tempo (que não sei precisar)que, num desses ataques de rebeldia, meu avô se chateou com a pobre e a soltou. 
Eu fiquei satisfeita, em parte. Mas cheguei a ficar com pena também. Solta nesse mundão depois de tanto tempo?
E numa bela manhã de sol (literalmente), reparei que minha cachorra estava tentando alcançar um passarinho que, de longe, não distingui. Eu cheguei mais perto e o bichinho conseguiu escapar (de mim e da cachorra, por assim dizer). Ele voou para a área cimentada em frente ao meu quarto. E, então, eu vi que era ela. Vocês poderiam me perguntar: como você sabia que era ela?
Está certo. O quintal onde eu morava havia um tanto de sabiás. Mas aquela tinha uma marquinha na pata. Inconfundível. Era por causa dessa marquinha que eu achava que ela era uma sabiá mais velhinha e tive pena quando meu vô soltou.
Mas agora, diante dela ali no meu quintal, tão pertinho de mim, eu confesso que fiquei feliz. Peguei ração, potinho de água e coloquei o mais perto possível, mas ainda numa distância respeitável. Me afastei. Ela veio. Comeu, tomou água...Putz, que legal! - eu pensei. Ela estava solta e eu podia alimentá-la!
E isso se repetiu durante um tempinho. Ela vinha, sempre em frente a minha janela e eu seguia o ritual. Dar a comida e me afastar.
Todo mundo em casa soube, mas eu tentei esconder do meu vô, senão com toda certeza ele ia querer a bichinha de volta. Até porque ele já demonstrava sinal de arrependimento. Mas nada poderia ficar escondido dele por muito tempo e, é claro, que quando ele descobriu não deu outra. Ele já vinha com a gaiolinha aberta pro meu lado, me chamando e dizendo "Pega, pega". Aff, era constrangedor! Eu simulava que ia pegar, fazia um estardalhaço pro bicho voar. Assim, eu não magoava ninguém. Era melhor passar por desastrada que trair a confiança dela.
E foi que conforme o tempo passava, mais ela confiava em mim. Chegava tão pertinho e, melhor, me distinguia dentre todos os humanos da casa! Eu chegava da escola e ela vinha dando seu rasante. Agora, ela já não ficava só naquela área onde tudo começou. Ela vinha onde eu estava: na varanda da sala, na área da cozinha...Ai, você pode ter a noção da minha alegria...ela estava solta e feliz. Sempre que ela quisesse tinha água e comida (que minha mãe achou melhor transferir para o murinho da área de serviço). Ela inclusive tomava seu banho diário. Paz, a bichinha estava em paz, solta e renovada. Vi que estava cada vez mais linda e que a marquinha nada tinha de velhice. Era uma sabiá jovem. Era na gaiola que ela era triste.
Mas, então, eu comecei reparar que cada dia que passava ela vinha menos vezes. Chegou a faltar um dia inteiro. A primeira vez que aconteceu, eu fiquei muito preocupada, achando que ela tinha ficado mansa e que o gavião podia ter se aproveitado disso. Mas era justamente o contrário. A bichinha estava começando era voar com as próprias asas. E cada dia ela se afastava mais. Eu entendi. Fiquei feliz por ela e compreendi que esse era o fluxo natural das coisas.
E foi que um dia, eu estava sentada na calçada que tinha no quintal de casa e ela chegou e ficou do meu lado. Eu estranhei porque não havia nenhuma comida ali. A comida, como sempre, estava no murinho. Eu sentada e ela pertinho mesmo (imaginem!) como que "sentada" do meu lado na calçada. Eu não ousei me mexer para não assustá-la. E ela ainda ficou um tempinho ali do meu lado, quietinha também. Que sensação boa, meu Deus! Pensar que ela quis passar um tempinho comigo.
E depois disso, eu não a vi mais.
Eu nunca saberei contar essa história sem me emocionar. Uma das coisas mais lindas que experimentei.Uma despedida, ela me deu. Um coração livre, uma amizade eternizada.



                 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

a história da garota dos olhos de jabuticaba

   Nascida na cidade de Divinópolis, a garota dos olhos de jabuticaba era, dentre outras coisas, conhecida por seu silêncio matinal. Nada poderia fazê-la falar senão uma boa caneca de café e pão com manteiga. Pão dormido, pão na chapa, pão fresco, o que fosse. O dia podia começar então. Até aí, nada original. Eu, pelo menos, conheço um bocado de gente assim. A novidade aqui é que a tal garota esteve pela vida e a morte quando pequena.Um negócio de... (como era mesmo o nome?). Enfim, me perdoem o lapso, mas era alguma coisa -ite (o que não ajuda muita coisa). Mas o fato é que a pobre estava já quase desenganada e pouco se podia fazer com a medicina tradicional. Foi quando a mãe,que não era devota de santo algum, sonhou, um dia, que estava debaixo de um enorme pé de jabuticaba que alcançava o céu. Era como João o pé de feijão,lembra? E o tronco, cheinho de jabuticaba, se perdia de vista.E de tanto que ela comia, a barriga se estufava, como se tivesse pronta pra parir. E, no sonho, ela dizia, passando a mão na barriga:eita, que já tá dando a hora dessa menina nascer. E foi que acordou suando,com o nome da menina saindo da boca. 
Coisa de mãe, mas ela foi até a menina, que adormecia febril, e retirou o pingente de coração que estava no peito da garota. Um coração gordinho de ouro.Foi até o quintal, na alta lua, e enterrou o coraçãozinho sob a jabuticabeira do quintal e ofereceu a vida da menina ao criador das jabuticabeiras.
O dia amanheceu e a mãe foi, como costume, ajeitar o cobertor da filha. Ela acordou,sentou na cama, ainda de olhos fechados. Deu um suspiro longo e pediu roucamente pão com manteiga e café. A mãe gargalhou, apertou a filha num abraço e bendisse ao criador das jabuticabeiras. E foi que a menina deu um sorriso de sono, abriu os olhos e adivinhem com o que eles se pareciam?